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DO SINTOMA INDELÉVEL 2018

A investigação que dá origem a esta série debruça-se sobre um conjunto de arquivos de várias proveniências, fundamentalmente fotográficos, correspondentes a material da ditadura portuguesa. 

O conteúdo destes arquivos é extremamente importante para a constituição da identidade portuguesa, moçambicana e angolana já que são dispositivos de memórias culturais que permitem rever, perceber, estudar e também ressignificar estas memórias e a própria história. Retomá-los é, portanto, um ato político, já que repensa imagéticamente uma história hegemónica abrindo a possibilidade de reinterpretar os seus estratos de forma  crítica, assim como refletir a própria contemporaneidade naquilo que ela configura como repetição dos modos de atuação.

O que se faz através da pintura é retomar a manipulação das narrativas através de um processo de montagem que amplifica as significações das imagens originais, conferindo-lhes uma expansibilidade que vai além de uma leitura rígida dos objetos da investigação. Assim, não se tratam de reproduções, mas de desdobramentos dessas memórias que ao serem transpostas para a actualidade, incorporam novos sentidos que redefinem a forma como as vemos. Não nos surgem mais intactas, cristalizadas, mas profusamente cruzadas por interpretações, olhares e fricções produtivas e subjectivas.

As imagens fotográficas são cruzadas entre si e delas são retirados elementos, combinando-os depois no suporte da pintura. O recorte, o zoom, a distorção, o foque e o desfoque, o inacabado, o abstrato e o figurativo pressupõem antes de mais aquilo que Benjamin adianta “[…] esta montagem […] é na verdade um trabalho de desmontagem, de desconstrução dos enunciados históricos” (MICHAUD apud BENJAMIN, 2012: 21). 

SOBRE O NASCIMENTO DAS CONFABULAÇÕES 2017

“Hasta que los leones tengan sus propios historiadores, las historias de cacería seguirán glorificando al cazador”
Provérbio africano

 

Este projecto surge de um conjunto de fotografias recolhidas pela investigação do "Brasil Nunca Mais”, desenvolvido pelo Conselho Mundial de Igrejas e pela Arquidiocese de São Paulo nos anos 1980 na tentativa de evitar que os processos judiciais por crimes políticos fossem destruídos com o fim da ditadura militar. O conjunto de fotografias foi feita durante a ditadura militar brasileira com o intuito de vigiar e policiar os movimentos estudantis e as organizações sindicais.

Peguei nessas imagens para revisitar o passado recente brasileiro, marcado pela ditadura militar e seu poder silenciador, expondo ao nosso olhar lugares inertes que foram a seu tempo lugares de reuniões, de festas ou de comícios, nos quais se idealizou novas possibilidades para a sociedade. Sente-se uma estranheza confinada a estes espaços interiores – vazios, inoperantes e lancinantes – que remetem a uma ausência. O humano parece ter desvanecido daquelas imagens, como se tivesse sumido para a história, e dele só restassem os indícios.

São imagens como ruínas que esmorecem ante a relutância do tempo, mas se atentarmos, quiçá, o espaço e o tempo se transmutem e ordenem como espaço e tempo simbólicos e consigamos na ausência ver a presença, no silêncio o som, naquilo que foi abafado e silenciado, uma voz ativa e relutante.

Ludgero Almeida 2017

CIÊNCIA DE UMA TERRA DESOLADA 2016

“Ciência de uma terra desolada” marca a atmosfera de imersão entre arquivos, relatos e imagens de um passado expedicionário e exploratório, que ao ser atualizado complexifica a relação entre o real, o fictício, o imaginado e a mémória. Uma viagem através do tempo histórico que lança olhar sobre a presença de estruturas cristalizadas na memória individual e coletiva brasileira, nos desafiando a ver em perspectiva a realidade contemporânea.

Encontrei um paralelismo entre a minha viagem ao Brasil e daqueles europeus no passado, cuja curiosidade pelo desconhecido os faziam imaginar um território utópico, quimérico e vasto, inesgotável de possibilidades. No entanto, em 2015 o Brasil apresentou-se como um lugar sórdido e destoante, em plena efervescência sócio-cultural e política, uma terra devastada, ainda velada de cristalizações antigas. Imagens de vísceras, fósseis e pesquisas científicas falam-nos de uma dissecação simbólica do tempo. O corpo do animal anuncia-se como um resquício de um mundo místico que já não mais existe, uma entidade insólita para o estrangeiro, que a circunda, analisa e resignifica.

 

Ludgero Almeida 2016

ESQUECIMENTO DE DEUS 2015

O título “ Esquecimento de Deus” surge da ideia representada em variados mitos, na qual, os Deuses (tendencialmente Uranianos) se esquecem dos Homens após a criação do mundo ( como na mitologia dos caçadores nómadas de Selkman) e por outro lado o esquecimento de Deus por parte dos Homens ( como na mitologia das tribos do arquipelago Andamanês).
Estes trabalhos sugerem uma intima relação entre o sagrado e o profano, propõe-nos a experiência de lugares, circustâncias ou narrativas que podem ser traduzidas como uma manifestação do sagrado, uma busca por ele, ou uma simples epifania dos movimentos do quotidiano.

Ludgero Almeida 2015

Texto crítico por Elisa Santos.

Texto crítico por Pedro Marques Pinto.

DIÓXIDO DE CARBONO E A LÂMPADA ESTROBOSCÓPICA 2014

Entre lampejos e visões

 

 Olhar nem sempre é ver. Apegamo-nos à formatação das coisas. Aceitamos os seus contornos estáveis, a sua textura comum. Ficamos anestesiados às suas próprias presenças e já não as sentimos. Não as vemos para além do olhar mecânico rotineiro. Para Aldous Huxley o dióxido de carbono e a lâmpada estroboscópica ampliam a capacidade de ver, de olhos fechados. Criam experiências visionárias efêmeras, lampejos de visões. É como ver aquilo que nunca se olhou. E seríamos capazes de visionar a memória alheia? Mas, o que é a memória, senão flashes estroboscópicos da nossa vida? E de outros, afinal, nos nossos genes existe o passado, fielmente narrado. Como ser capaz de ler a genética das coisas?

É da experiência visionária, lampejante, que surge o “absurdo”, a quebra dissonante (na etimologia da palavra ab-surdus) com os automatismos que nos maquinizam.  Avista-se, vislumbra-se, visiona-se, para não ser autômato. Dissonar torna-se uma maneira de compreender o mundo. Outra das faces da cognição que busca encontrar conforto não na negação do eu perante a corrente, mas no rompimento com a mecânica rotineira, reestabelecendo assim o grau de entropia: um eu perdido ou um eu encontrado? O conforto não é lógico, linear e redutor. É caótico, complexo e intuitivo.

É o atelier de trabalho de um pintor, que não se encerra no corpo de pintor. Utiliza corpo e mente de pintor, escultor, músico e escritor, metamorfoseando-se por entre aquilo que é e aquilo que será. Experimenta visões e aceita a condição de nomadismo iniciático que lhe conduz ao fundo de si mesmo, e lá encontra tantos outros. Visiona com a ajuda de Dostoievski, Camus, Artaud, Kafka, Schoenberg.

Produzem-se visões. Seja na linguagem que for, esta lá: a visão do absurdo.

 

Amanda Midori

Primavera de 2014

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